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"Bairros e regiões históricas do Rio de Janeiro" - Memória e formação do patrimônio cultural carioca

Um pouco sobre o Bairro do Engenho de Dentro

O Engenho de Dentro pertencia ao Mestre-de-campo João Árias de Aguirre, e se estendia, no século XVIII, entre a Serra dos Pretos Forros e Manguinhos.  Os Árias de Aguirre eram descendentes de Diogo de Martinez, um nobre espanhol que veio da corte de Madri para a de Lisboa no século XVII. O primeiro deles seria Ouvidor de S.Vicente, e, provavelmente pai de Domingas Árias de Aguirre, que aqui se casaria com Antônio Cordovil, senhor de um engenho onde seria o bairro de Cordovil.

Os Árias se ligariam por laços de família a Manuel de Souza Viegas, senhor do Engenho Viegas em Senador Camará, e a um nobre São Payo fundador do Engenho de Fora em Jacarepaguá , que era descendente do fidalgo e guerreiro Antônio de São Payo, companheiro de Salvador de Sá e Cristóvão de Barros no início da colonização do Rio quinhentista. Com o desmembramento das terras do Engenho de Dentro, parte delas viria a ser ocupada pela Estrada de Ferro D.Pedro II (depois E.F.Central do Brasil) para a construção da estação que foi inaugurada em  11 de novembro de 1871 e das oficinas suburbanas.

Por iniciativa do Imperador D.Pedro II, foram construídas casas para os operários e pessoal técnico. Em 1876, já havia 26 casas na rua Mariano Procópio e 27 casas na rua Dr. Padilha. O diretor da estrada de ferro em 1882, foi o engenheiro Francisco Pereira Passos, que, quando prefeito de 1902 a 1906 abriu a Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, entre outras obras. Pereira Passos criou uma escola para os filhos dos operários, aos cuidados da Professora Maria Amélia Jacobina, e do escritor português Ramalho Urtigão.

As oficinas eram bem aparelhadas, tanto que na Revolta da Armada em 1893, foram utilizadas na fabricação de material bélico para as forças de terra e mar.
Na esquina da Estrada Real de Santa Cruz, (depois Avenida Suburbana, atual D.Helder Câmara )com a rua José dos Reis, (que era dono de uma grande fábrica de telhas perto de Inhaúma. Entre a estação e a Serra dos Pretos Forros), havia a grande chácara do Dr. Francisco Fernandes Padilha (que foi casada com D.Tereza, hoje nome de rua no bairro). A esta família pertencera D.Dulce Duque-Estrada, última proprietária do Engenho Novo dos Jesuítas antes de seu desmembramento. O Dr. Francisco Fernandes Padilha possuía de sociedade com o Dr. Leal, uma fábrica de carvão em furna nas suas terras, abrindo nelas entre outras, as rua Dr. Peçanha, depois Engenho de Dentro, e atualmente Adolfo Bergamini, (escrivão de polícia, vereador,deputado e prefeito) e a rua Dr.Leal, e a rua Dr.Bulhões (Bulhões de Carvalho) e a rua Dr.Padilha.

Havia também uma fábrica de vidro no fim da rua Luís Carneiro (hoje rua Gustavo Riedel), que em 1908 devido a uma epidemia de varíola, foi transformada num hospital de emergência, que depois se converteu no D.Pedro II, destinado a receber grande parte dos pacientes do sexo feminino do Hospício da Praia Vermelha, onde depois funcionou a Universidade do Brasil. O Dr. Gustavo Riedel foi um dos seus diretores. A única igreja do bairro era a Capela de N.S.da Conceição (hoje de S.Sebastião também), erguida no fim do século XIX, pela família portuguesa dos Oliveira, no alto da rua Francisca Meyer, atual rua Catulo Cearense. O Monsenhor Antônio Jerônimo Rodrigues, achando que a capela era pequena, no início do século XX, passou a trabalhar pela construção de outra maior embaixo, para isso fundou primeiro um colégio, com capela no andar de cima. Monsenhor Jerônimo fez uma campanha para o início das obras em terrenos na época ainda pantanosos, onde depois se construiria a atual Matriz de N.S.da Conceição.

A rua Arquias Cordeiro e a rua Goiás eram separadas uma da outra, por uma praça que ficava em frente às oficinas, onde ficava um busto de Mariano Procópio, diretor da estrada e construtor da primeira estrada de rodagem moderna do país, que ia de Petrópolis a Juiz de Fora. Mas quando o prefeito Amaro Cavalcante, em 1918, fez a ligação do Méier com o Engenho de Dentro, construindo a avenida que leva o seu nome, demoliu-se a Praça das Oficinas. Amaro Cavalcante pavimentou várias ruas das redondezas, inclusive a rua Dr. Bulhões, onde morou o grande jornalista e abolicionista José do Patrocínio, que inventou e montou o dirigível Santa Cruz em 1903. José do Patrocínio deixou o dirigível em exposição, na antiga Fábrica S. Lázaro, depois ocupada pelas oficinas ferroviárias de Trajano de Moraes, na Avenida Suburbana, e cobrava uma modesta entrada para a visitação do público.

Outro morador da rua Dr. Bulhões, foi o Professor Olinto Botelho que nesta rua fundou a Escola Brasileira onde estudou Alziro Zarur, que em 1950, fundou a Legião da Boa Vontade.
Na Rua Francisca Meyer, no alto, morava o poeta e compositor Catulo Cearense, que era convidado para tocar no Catete a pedido da primeira dama Nair de Teffé, grande caricaturista, que usava o pseudônimo de Rian, e do Marechal Hermes, que apreciavam muito seus versos e a sua música ao violão, instrumento considerado modesto para tais ocasiões.
O carnaval do Engenho de Dentro era famoso devido aos Pingos e aos Pepinos Carnavalescos, com seus carros alegóricos, e até Agripino Grieco, tão exigentes em suas críticas, os descrevia como ótimos.

O Hospital do Engenho de Dentro

O provedor da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, José Clemente Pereira iniciou uma campanha pública para criação de um hospício de alienados, em 1841. Em 24 de agosto de 1841 foi lido o decreto imperial autorizando a criação da instituição. O imperador D. Pedro II contribuiu com parte da verba necessária e a população com o restante. O edifíco, construído entre 1842 e 1852, é um dos expoentes da arquitetura neoclássica do Brasil. O projeto é resultado da colaboração entre alguns dos maiores arquitetos ativos no momento: Domingos José Monteiro, Joaquim Cândido Guilhobel e José Maria Jacinto Rebelo.

Os primeiros pacientes do Hospício Pedro II vieram transferidos das enfermarias da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Os médicos da época passaram a tentar reabilitar os pacientes. No hospício, os alienados participavam de terapia ocupacional em oficinas de manufatura de calçados, artesanato com palha e alfaiataria. No entanto, na época não havia tratamentos biológicos, e a forma encontrada para controlar os pacientes mais agitados era trancá-los em quartos fortes e amarrá-los em camisas de força. No final do século XIX, havia oficinas que possibilitavam o aprendizado de habilidades em fundição de ferro, encanamento, engenharia elétrica, carpintaria, marcenaria, manufatura de colchões, tipografia e pintura.

Dentro do hospício, em 1893, foi criado o Pavilhão de Observação, que era um local destinado a assitência dos pacientes e estudos de psicopatologia. Este pavilhão era destinado a atividades acadêmicas e eram administradas aulas de psiquiatria para os alunos da faculdade de medicina. Em 1938, o Instituto de Psicopatologia e Assistência a Psicopatas foi transferido para a Universidade do Brasil, e hoje em dia é o Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB-UFRJ).

O Pavilhão de Neurossífilis, local destinado ao atendimento de pacientes com essa patologia dentro do Hospício Nacional dos Alienados, tornou-se o Instituto de Neurossífilis em 1927, através de decreto oficial. Atualmente esse instituto é um hospital psiquiátrico municipal denominado Instituto Philippe Pinel.

Nas décadas de 30 e 40 o então Hospital da Praia Vermelha estava superlotado e decadente, e os pacientes foram gradualmente transferidos para a Colônia Juliano Moreira e o Hospital do Engenho de Dentro. Em setembro de 1944 concluiu-se a tranferência de todos os pacientes e o hospital foi desativado e entregue à Universidade do Brasil. Atualmente esse local é o campus da Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O Hospital do Engenho de Dentro passou a se chamar Hospital Pedro II, novamente rebatizado como Centro Psiquiátrico Pedro II e hoje em dia tem o nome de Instituto Municipal Nise da Silveira, em homenagem a renomada psiquiatra Nise da Silveira.



Notas:

- A Estrada da Covanca, é considerada por pesquisadores como sendo um dos caminhos mais antigos da Cidade do Rio de Janeiro.

- A mão de obra utilizada para a pavimentação da Estrada da Covanca foram dos trabalhadores do presídio de Água Santa.




Fontes:
Livro: Baixada de Jacarepaguá. publicação DGPC - Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
Originais das imagens encontram-se no Arquivo da Cidade - AGCRJ.

Pesquisa e Texto.

Eduardo Araujo de Almeida
Historiador e repórter fotográfico

Mário Aizen
Sociólogo

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